O diamante
O Hindu chegou aos arredores de certa aldeia e aí sentou-se para dormir debaixo de uma árvore. Chega
correndo, então, um habitante daquela aldeia e diz, quase sem fôlego:
-Aquela pedra! Eu quero aquela pedra.
-Mas que pedra? Pergunta-lhe o Hindu.
-Ontem à noite, eu vi meu Senhor Shiva e, num sonho, ele disse que eu viesse aos arredores da cidade, ao pôr-dosol;
aí devia estar o Hindu que me daria uma pedra muito grande e preciosa que me faria rico para sempre.
Então, o Hindu mexeu na sua trouxa e tirou a pedra e foi dizendo: -Provavelmente é desta que ele lhe falou;
encontrei-a num trilho da floresta, alguns dias atrás; podes levá-la! E assim falando, ofereceu-lhe a pedra.
O homem olhou maravilhado para a pedra. Era um diamante e, talvez, o maior jamais visto no mundo.
Pegou, pois, o diamante e foi-se embora. Mas, quando veio a noite, ele virava de um lado para o outro em sua cama
sem conseguir dormir. Então, rompendo o dia, foi ver novamente o Hindu e o despertou dizendo:
-Eu quero que me dê essa riqueza que lhe tornou possível desfazer-se de um diamante tão grande assim tão
facilmente!
Anthony de Mello, S.J., 1982, Lonavia, Índia O canto do pássaro, Edição Loyola, São Paulo, Brasil, 1992
Calúnia
Uma mulher tanto falou que seu vizinho era um ladrão que o rapaz acabou sendo preso. Dias depois, descobriram
que ele era inocente. O rapaz, então, foi solto e processou a mulher.
-Comentários não causam tanto mal, disse ela em sua defesa diante do tribunal.
-Escreva os comentários num papel, depois pique-o e jogue os pedaços no caminho de casa. Amanhã, volte para
ouvir a sentença, respondeu o juiz.
A mulher obedeceu e voltou no dia seguinte.
-Antes da sentença, terá que recolher todos os pedaços de papel que espalhou ontem, disse o juiz.
-Impossível, respondeu ela. Já não sei onde estão.
-Da mesma maneira, um simples comentário pode destruir a honra de um homem, e depois você não tem como
consertar o mal, respondeu o juiz, condenando a mulher à prisão.
A corda
Era uma vez dois países, cortados por um rio, rápido, largo, perigoso, no qual muitos se afogavam ao tentar
atravessá-lo. Em um país fluía o leite e o mel - era chamado o país da felicidade. O outro, rasgado por brigas e
devastado pela preocupação, era chamado o país da infelicidade.
Um dia um homem observa aquele meio e, por Amor, resolve fazer alguma coisa.
- Vou esticar uma corda de uma margem à outra. Mesmo que eu morra ao enfrentar os perigos do rio, não importa.
No futuro, outros poderão apanhar a corda, atravessar o rio com segurança e atingir o país da Felicidade.
Esse homem executa o seu projeto: encontra uma corda, amarra uma das extremidades em uma árvore, agarra a
outra ponta e mergulha na correnteza, lutando contra as ondas.
No meio da espuma e dos rodemoinhos, caçadores confundem-no com um animal e atiram nele, ferindo-o
mortalmente. Mas num último esforço, o homem consegue atingir a outra margem e amarrar a corda a uma árvore.
Pela falta de discernimento dos caçadores, morre, mas não antes de atingir o seu objetivo.
A partir desse momento, tal homem de coragem foi reverenciado por todos, que diziam:
- Ele morreu para nos salvar; é digno do nosso amor.
Na verdade, rendiam-lhe homenagens. Todos o faziam. Mas poucos seguiam o seu exemplo.
- Se segurarmos a corda, não corremos o risco de nos afogar... Mas... a água está tão fria e o rio é tão largo...! O
perigo da travessia continua grande!
E assim, no decorrer dos anos, a corda foi esquecida. Coberta de algas e de galhos, não era mais visível. Porém, o
culto ao herói sobreviveu: o povo construiu monumentos em sua memória, cantou hinos em sua honra e continuou
evocando o seu nome, pelo grande amor que aquele ser lhes havia dedicado.
Vieram as gerações: a segunda, a terceira, a quarta... Oradores, cientistas e letrados falavam das virtudes do herói e
diziam como que, morrendo, ele salvara os homens. Mas nunca mais se falou da corda jogada por cima do rio. Tinha
sido completamente esquecida.
Os argumentos, os discursos e os ensinamentos dos chamados "sábios" acabaram criando uma grande confusão.
Superstições proliferaram e raros foram os que conseguiram distinguir a Verdade.
Oradores declaravam: Por que esta disputa? A única coisa necessária é adorar o herói como um Deus e acreditar
que ele morreu para a salvação de todos. E eis que quando nós morrermos, entraremos sem dificuldades no país da
felicidade. Se o nosso corpo nos proíbe, por enquanto, a travessia do rio, após a morte a nossa alma voará para o
outro lado. O amor, a potência e a coragem do herói eram tão grandes que tudo o que pedirmos ao seu espírito ele
nos concederá se demonstrarmos bastante amor.
Quando o povo ouviu isto, sentiu uma alegria imensa e cobriu de honrarias os oradores, falando: Grande é a sua
sabedoria, pois nos mostram um caminho fácil. É simples: adorar, rezar e solicitar ao nosso herói a salvação na hora
da nossa morte. Portanto, agora, comamos, bebamos, sejamos alegres e aproveitemos da melhor maneira a nossa
estada no meio onde estamos.
Nesse meio tempo o espírito do herói contemplava os seus irmãos com tristeza, escutando as suas orações e
súplicas. Eles haviam esquecido a corda que ligava o país da infelicidade ao da felicidade e que havia custado a vida
do herói, para deixar a todos o exemplo de Coragem e o caminho da Paz, que passa pela educação do coração e
pela vontade de amar a todas as criaturas.
Aquele povo perdera a chave que lhes permitiria ler as palavras daquele herói e de outros que existiram antes dele.
Liam com os olhos da carne, em vez de lerem com os olhos da alma.
Ainda surdos para ouvir, não conseguiam escutar o herói que continuava a clamar:
- Acorda! A corda!! Acorda!!!
Sobre as Águas
Um missionário espanhol, passando por uma ilha, encontrou lá, isolado, um sacerdote asteca. Dirigiu-se então a
ele, no seu propósito de catequização e perguntou-lhe: - Como você reza?
O sacerdote respondeu: - Eu apenas me coloco em silêncio.
O missionário, penalizado com a ignorância do homem, disse: - Meu filho, vou ensinar-lhe como orar a Deus. Feito
isso, deixou a ilha.
Tempos mais tarde, já a caminho da Espanha, passou novamente pelo mesmo lugar. O sacerdote, ao avistá-lo ainda
dentro da embarcação, saiu ao seu encontro e, caminhando sobre as águas aproximou-se do barco e perguntou: -
Senhor, torna a me ensinar a oração, pois não consigo me lembrar dela.
O missionário, vendo aquilo, percebeu o que tinha feito e, envergonhado, disse-lhe: -Não importam as palavras, faça
o que manda o seu coração. Despediu-se emocionado e seguiu o seu caminho levando consigo a lembrança da sua
prepotência e a imagem do sábio sobre as águas.
Boneca de sal
A boneca de sal vagueou pela terra até chegar ao mar, onde ficou absorta a comtemplar aquela massa imensa
de água inquieta que ela nunca vira.
Quem é você? pergunta, então, ao mar. Pois entre e veja, diz o mar sorrindo.
Dito e feito, ela entrou dentro do mar e quanto mais entrava, mas se dissolvia até que só restasse um pouco do seu
corpo.
Antes de derreter-se totalmente, exclamou a Boneca admirada: Agora, sei quem eu sou!
Anthony de Mello, S.J., 1982, Lonavia, India
O canto do pássaro, Edição Loyola, São Paulo, Brasil, 1992
Os ossos do rei
Havia um rei que se orgulhava muito de sua linhagem e que era conhecido por sua crueldade com os
mais fracos. Certa vez, caminhava com sua comitiva por um campo, onde, anos antes, havia perdido
seu pai em uma batalha. Ali encontrou um homem santo remexendo uma enorme pilha de ossos.
O rei, então, intrigado, perguntou-lhe: - O que fazes aí, velho?
- Honrada seja Vossa Majestade, disse o homem santo. Quando soube que o Rei vinha por aqui,
resolvi recolher os ossos de vosso falecido pai para entregar-vos. Entretanto, não consigo achá-los:
eles são iguais aos ossos dos camponeses, dos pobres, dos mendigos e dos escravos.
O Trabalho
Assim que morreu, Juan encontrou-se num belíssimo lugar, rodeado pelo conforto e beleza que
sonhava. Um sujeito vestido de branco aproximou-se: -Você tem direito ao que quiser, qualquer
alimento, prazer, diversão. Encantado, Juan fez tudo que havia sonhado fazer durante a vida. Depois
de muitos anos de prazeres, procurou o sujeito de branco:
-Já experimentei o que tinha vontade. Preciso agora de um trabalho, para me sentir útil.
-Sinto muito, disse o sujeito de branco, mas esta é a única coisa que não posso conseguir. Aqui não
há trabalho.
-Que terrível, disse Juan, passar a eternidade morrendo de tédio. Preferia mil vezes estar no inferno.
O homem de branco aproximou-se e disse em voz baixa: -E onde o senhor pensa que está?
O Camundongo da Cidade e o do Campo
espevitado, mas queria muito bem ao primo, de maneira que o recebeu com muita satisfação. Ofereceu-lhe o que tinha de melhor:
feijão, toucinho, pão e queijo.
O camundongo da cidade torceu o nariz e disse:
- Não posso entender, primo, como você consegue viver com estes pobres alimentos. Naturalmente, aqui no campo, é difícil obter
coisa melhor. Venha comigo e eu lhe mostrarei como se vive na cidade. Depois que passar lá uma semana, você ficará admirado
de ter suportado a vida no campo.
Os dois pusseram-se, então, a caminho. Tarde da noite, chegaram à casa do camundongo da cidade.
- Certamente você gostará de tomar um refresco, após esta caminhada, disse ele polidamente ao primo.
Conduziu-o à sala de jantar, onde encontraram os restos de uma grande festa. Puseram-se a comer geléias e bolos deliciosos. De
repente, ouviram fosnados e latidos.
- O que é isto? Perguntou, assustado, o camundongo do campo.
- São, simplesmente, os cães da casa, respondeu o da cidade.
- Simplesmente? Não gosto desta música, durante o meu jantar.
Neste momento, a porta se abriu e apareceram dois enormes cães. Os camundongos tiveram que fugir a toda pressa.
- Adeus, primo, disse o camundongo do campo. Vou voltar para minha casa no campo.
- Já vai tão cedo? perguntou o da cidade.
- Sim, já vou e não pretendo voltar, concluiu o primeiro.
(Mais vale o pouco certo, que o muito duvidoso)
A Raposa e a Cegonha
"A raposa e a cegonha mantinham boas relações e pareciam ser amigas sinceras. Certo dia, a raposa convidou a cegonha para
jantar e, por brincadeira, botou na mesa apenas um prato raso contendo um pouco de sopa. Para ela, foi tudo muito fácil, mas a
cegonha pode apenas molhar a ponta do bico e saiu dali com muita fome.
- Sinto muito, disse a raposa, parece que você não gostou da sopa.
- Não pense nisso, respondeu a cegonha. Espero que, em retribuição a esta visita, você venha em breve jantar comigo.
No dia seguinte, a raposa foi pagar a visita. Quando sentaram à mesa, o que havia para o jantar estava contido num jarro alto, de
pescoço comprido e boca estreita, no qual a raposa não podia introduzir o focinho. Tudo o que ela conseguiu foi lamber a parte
externa do jarro.
- Não pedirei desculpas pelo jantar, disse a cegonha, assim você sente no próprio estomago o que senti ontem.
(Quem com ferro fere, com ferro será ferido)
A Lebre e a Tartaruga
"A lebre estava se vangloriando de sua rapidez, perante os outros animais:
- Nunca perco de ninguém. Desafio a todos aqui a tomarem parte numa corrida comigo.
- Aceito o desafio! Disse a tartaruga calmamente.
- Isto parece brincadeira. Poderi dançar à sua volta, por todo o caminho, respondeu a lebre.
- Guarde sua presunção até ver quem ganha. recomendou a tartaruga.
A um sinal dado pelos outros animais, as duas partiram. A lebre saiu a toda velocidade. Mais adiante, para demonstrar seu
desprezo pela rival, deitou-se e tirou uma soneca.
A tartaruga continuou avançando, com muita perseverança. Quando a lebre acordou, viu-a já pertinho do ponto final e não teve
tempo de correr, para chegar primeiro.
(Com perseverança, tudo se alcança)
O Fazendeiro, seu Filho e o Burro
"Um fazendeiro e seu filho viajavam para o mercado, levando consigo um burro. Na estrada, encontraram umas moças salientes,
que riram e zombaram deles:
- Já viram que bobos? Andando a pé, quando deviam montar no burro?
O fazendeiro, então, ordenou ao filho:
- Monte no burro, pois não devemos parecer ridículos.
O filho assim o fez.
Daí a pouco, passaram por uma aldeia. À porta de uma estalagem estavam uns velhos que comentaram:
- Ali vai um exemplo da geração moderna: o rapaz, muito bem refestelado no animal, enquanto o velho pai caminha, com suas
pernas fatigadas.
- Talvez eles tenham razão, meu filho, disse o pai. Ficaria melhor se eu montasse e você fosse a pé.
Trocaram então as posições.
Alguns quilometros adiante, encontraram camponesas passeando, as quais disseram:
-A crueldade de alguns pais para com os filhos é tremenda! Aquele preguiçoso, muito bem instalado no burro, enquanto o pobre
filho gasta as pernas.
- Suba na garupa, meu filho. Não quero parecer cruel, pediu o pai.
Assim, ambos montados no burro, entraram no mercado da cidade.
- Oh!! Gritaram outros fazendeiros que se encontravam lá. Pobre burro, maltratado, carregando uma dupla carga! Não se trata um
animal desta maneira. Os dois precisavam ser presos. Deviam carregar o burro às costas, em vez de este carregá-los.
O fazendeiro e o filho saltaram do animal e carregaram-no. Quando atravessavam uma ponte, o burro, que não estava se sentindo
confortável, começou a escoicear com tanta energia que os dois caíram na água."
(Quem a todos quer ouvir, de ninguém é ouvido)
Corvo e o Jarro
"Um corvo, quase morto de sede, foi a um jarro, onde pensou encontrar água. Quando meteu o bico pela borda do jarro, verificou
que só havia um restinho no fundo. Era difícil alcançá-la com o bico, pois o jarro era muito alto. Depois de várias tentativas, teve
que desistir, desesperado. Surgiu, então, uma idéia, em seu cérebro. Apanhou um seixo (fragmento de rocha ou pedra) e jogou-o
no fundo do jarro. Jogou mais um e muitos outros. Com alegria verificou que a água vinha, aos poucos, se aproximando da borda.
Jogou mais alguns seixos e conseguiu matar a sede, salvando a sua vida."
(Água mole, em pedra dura, tanto bate até que fura)
O Cão e o Osso
"Um dia, um cão, carregando um osso na boca, ia atravessando uma ponte. Olhando para baixo, viu sua própria imagem refletida
na água. Pensando ver outro cão, cobiçou-lhe logo o osso que este tinha na boca, e pôs-se a latir. Mal, porém, abriu a boca, seu
próprio osso caiu na água e perdeu-se para sempre."
(Mais vale um pássaro na mão do que dois voando)
A Moça e a Vasilha de Leite
"Uma moça ia ao mercado equilibrando, na cabeça, a vasilha do leite. No caminho, começou a calcular o lucro que teria com a venda
dele.
- Com este dinheiro, comprarei muito ovos. Naturalmente, nem todos estarão bons, mas, pelo menos, de três quartos deles sairão
pintinhos. Levarei alguns para vender no mercado. Com o dinheiro que ganhar, aumentarei o estoque dos ovos. Tornarei a pô-los a
chocar e, em breve, terei uma boa fazenda de criação. Ficando rica, os homens, pedir-me-ão em casamento. Escolherei, naturalmente,
o mais forte, o mais rico e o mais bonito. Como me invejarão as amigas! Comprarei um lindo vestido de seda, para o casamento e,
também, um bonito véu. Todos dirão que sou a noiva mais elegante da cidade.
Assim pensando, sacudiu a cabeça, de contentamento. A vasilha do leite caiu ao chão, o leite esparramou-se pela estrada e nada
sobrou para vender no mercado."
(Não se deve contar com o ovo quando ele ainda está dentro da galinha)
Vento e o Sol
"O vento e o sol estavam disputando qual dos dois era o mais forte. De repente, viram um viajante que vinha caminhando.
- Sei como decidir nosso caso. Aquele que coseguir fazer o viajante tirar o casaco, será o mais forte. Você começa, propôs o sol,
retirando-se para trás de uma nuvem.
O vento começou a soprar com toda a força. Quanto mais soprava, mais o homem ajustava o casaco ao corpo. Desesperado, então o
vento retirou-se.
O sol saiu de seu esconderijo e brilhou com todo o esplendor sobre o homem, que logo setiu calor e despiu o paletó."
(O amor constroi, a violência arruína)
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